Livros - 0424L


APRESENTAÇÃO

O que a ciência e o jornalismo têm em comum?

Antes da chegada da Família Real em 1808, fugindo das guerras napoleônicas, a imprensa era proibida no Brasil, pois a Coroa Portuguesa já tinha ciência do poder revolu- cionário do jornalismo, mesmo quando este era produzido de forma artesanal e amadora. O controle da circulação de ideias por meio de veículos de comunicação é sempre alvo de censura dos regimes de exceção, foi assim no Estado Novo, foi assim na Ditadura Civil-Militar iniciada em 1964 e, na atual conjuntura, os ataques à imprensa reverberam entre os defensores de golpes de estado, da mesma for- ma que prosperam entre os mesmos grupos os ataques à ciência e à educação pública.

Somente o regime democrático combina com uma im- prensa livre, com o poder de divergir das ideias dominantes e denunciar os problemas sociais, políticos, econômicos e ambientais, a partir de fatos comprovados e apurações consistentes. Mas a democracia liberal tem um empecilho muito significativo, que muitas vezes não é tão evidente: o controle que o capital exerce sobre as diferentes esfe- ras da vida pública e privada, dentre elas a circulação de ideias, sobretudo em uma época de plataformização das relações sociais, em que as Big Techs e seus algoritmos têm o condão de definir o que vai ser visto e o que não vai.

O livro “As narrativas da privatização da educação básica na mídia bra- sileira”, da jornalista e doutora em educação pela Unicamp Thais Rodri- gues Marin, traz luz a essa influência do poder financeiro hegemônico  nas publicações do mais importante jornal brasileiro, a Folha de S.Paulo. O recorte de sua pesquisa se ancora nos editoriais e artigos de opinião publicados entre 2005 e 2020, com foco na educação pública brasileira.

A pesquisadora realizou uma criteriosa e aprofundada seleção de pe- ças jornalísticas, ao todo impressionantes 1342 textos analisados, para compreender como a Folha tem se posicionado acerca dos problemas e caminhos para a educação pública, tanto por meio de seus textos mais endógenos (Editoriais) como pelos mais exógenos (artigos de opinião).

Os achados de pesquisa da autora apontam alguns direcionamentos ao mesmo tempo interessantes e preocupantes. Primeiro, ela constata que há poucas diferenças entre o que a Folha pensa e o que os colunistas convidados expõem como opiniões. Isso se dá, principalmente, porque a própria curadoria de quem fala se articula com as posições editoriais declaradas pelo jornal. Segundo, porque o discurso defendido por grande parte dos articulistas e pela direção de jornalismo é bastante hegemôni- co na sociedade brasileira: a visão de que o setor público é ineficaz e que a solução estaria na privatização dos serviços.

Ao longo da pesquisa, a autora utilizou uma matriz com seis categorias para agrupar os textos, articulando com as principais produções teóricas da área educacional sobre privatização. São elas: 1) a educação básica pública brasileira está em crise e precisa ser reformada; 2) não faltam re- cursos financeiros à educação pública, mas gestão eficiente; 3) os(as) professores(as) de escolas públicas são despreparados(as), desmotiva- dos(as) e corporativistas; 4) monitorar e mensurar resultados e premiar/ punir profissionais e escolas pelo desempenho de estudantes melhoram a qualidade da educação; 5) sendo a educação responsabilidade de to- dos, organizações privadas têm mais capacidade para oferecer soluções educacionais que o Estado; 6) a educação pode e deve reduzir desigual- dades sociais e gerar crescimento econômico.

Não à toa, o título fala em narrativas. A construção desse ideário se dá por meio de narrativas quase irrefutáveis e comparações injustas entre o público e o privado. Só se esquecem de destacar que a precarização dos serviços públicos não é algo natural, mas construído, a partir de um pro- jeto de poder que separa a sociedade por classe, gênero, origem e outros marcadores sociais de diferença. Como asseverou Darcy Ribeiro, a crise na educação não é uma crise, é um projeto. Trabalhos de pesquisa como o da professora Thais Marin são dignos dos maiores reconhecimentos, porque são contra hegemônicos e abrem pequenas fissuras nos muros que são construídos pelas grandes corporações midiáticas.

A boa ciência é aquela que, tal qual o bom jornalismo, se baseia na apu- ração de fatos por meio de pesquisa meticulosa, a partir do uso de mé- todos consagrados. Mas no século XXI, como nos ensina Edgar Morin, é preciso fazer ciência com consciência, voltada para a transformação da sociedade. Da mesma forma, o jornalismo precisa se engajar para pro- mover justiça social. E como a autora aponta, um primeiro caminho ne- cessário deveria ser a adoção de um novo discurso midiático: a defesa da educação pública, laica, civil e de qualidade social. Que a leitura deste brilhante livro contribua para esta luta!

Prof. Dr. Marcelo Mocarzel
Niterói, 23 de abril de 2024




SUMÁRIO

 
PREFÁCIO
APRESENTAÇÃO

Lista de ilustrações
Lista de tabelas
Lista de abreviaturas e siglas

INTRODUÇÃO

1. EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA EM DISPUTA
1.1 A ascensão neoliberal
   1.2 Privatização da educação básica
   1.2.1 Reformas do aparato estatal
      1.2.2 Reformas da educação pública
      1.2.3 Desenvolvimento do mercado educacional
      1.2.4 Desenvolvimento da filantropia de risco

2.CONSTRUINDO REALIDADES
   2.1 Opinião pública e mídia
   2.2 Discurso da privatização da educação

3. METODOLOGIA DA PESQUISA
   3.1 Organização do banco de dados
   3.2 Aspectos metodológicos da análise de conteúdo
   3.3 Categorias temáticas da privatização da educação

4. INVESTIGANDO A MÍDIA: PRIMEIROS OLHARES
   4.1 O jornal Folha de S.Paulo
   4.2 Editoriais e artigos analisados: descrição geral

5. PRIVATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO: ENTREDITOS E NÃO DITOS
   5.1 Narrativas da privatização da educação básica brasileira
       5.1.1 Educação pública: crise e reforma
       5.1.1Investimos bem, gastamos mal
       5.1.1Professores(as): acomodação, má formação e corporativismo
       5.1.1Avaliar é responsabilizar
       5.1.1Parcerias: educação pública é dever de todos
       5.1.1 Educar para superar desigualdades e gerar crescimento econômico
   5.2 Mudanças e continuidades em 16 anos de publicações

CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APÊNDICE
SOBRE A AUTORA
AGRADECIMENTOS