RECURSOS FINANCEIROS TRANSFERIDOS DIRETAMENTE ÀS ESCOLAS PÚBLICAS: POR QUE PRECISAMOS DEFENDER E APRIMORAR ESTA IDEIA?

Resumo: O artigo busca realizar uma defesa das razões pelas quais os recursos financeiros que são transferidos diretamente para a escola pública (por meio de programas dos governos federal, estadual ou municipal) são instrumentos imprescindíveis para a promoção da qualidade do ensino e que devem ser aprimorados e expandidos. Os estudos apresentados apontam que os efeitos destes recursos financeiros na realidade escolar são tanto de caráter imediato, do ponto de vista da operacionalização e manutenção diária da escola, quanto de longo prazo, considerando o desenvolvimento das atividades e projetos pedagógicos, contribuindo para formação dos sujeitos com vistas à democracia participativa.

Palavras-chave: gestão financeira escolar; recursos financeiros descentralizados; gestão democrática.


INTRODUÇÃO

Tratar sobre a melhoria da qualidade do ensino público é uma questão difícil, pois "qualidade" é um termo complexo da área de estudos da educação, constituído por uma posição política e pedagógica, cuja promoção depende de investimentos maciços (com objetivos claros e planejamento condizente) em um conjunto de elementos, como, por exemplo, valorização e salário docente, construção de escolas e redução do número de alunos por classe, valorização e incentivo dos currículos e dos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) construídos pelas próprias escolas, procedimentos de avaliação, entre outras questões fundamentais que independem de recursos financeiros descentralizados, pois eles visam contribuir supletivamente para o funcionamento da escola e podem apenas atenuar suas necessidades físicas e pedagógicas, mas não resolvê-las.

Contudo, há importantes efeitos das políticas de descentralização de recursos financeiros que são transferidos diretamente às escolas públicas do município de São Paulo, como os recursos provenientes do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), de origem federal, e também do Programa de Transferência de Recursos Financeiros (PTRF), de origem municipal, ou ainda da chamada Verba de Adiantamento, de origem municipal.  Estes programas contribuem de maneira supletiva para o funcionamento da escola, mas são imprescindíveis para o seu funcionamento e para a melhoria da qualidade do ensino, podendo ser utilizados como exemplos para o debate acerca destas iniciativas em outros municípios e estados, ou mesmo em outros países, com realidades econômicas e/ou culturais distintas, mas que partilham do mesmo objetivo político: a melhoria da qualidade da educação pública e diminuição das desigualdades sociais.

POR QUE OS RECURSOS FINANCEIROS DESCENTRALIZADOS SÃO FERRAMENTAS IMPRESCINDÍVEIS PARA A “QUALIDADE” DA EDUCAÇÃO?

Primeiramente, é necessário fazer uma reflexão sobre o termo “qualidade”, para então poder discutir sobre a importância destes recursos financeiros na promoção desta qualidade, verificando o quanto eles representam na concretude da escola (em valores e montantes anuais), em quê as escolas gastam, seus procedimentos de gestão e, assim, poder estudar sobre suas falhas e possibilidades.

Tratando da promoção da qualidade do ensino oferecido pela escola pública, se pensa o termo “qualidade” em dois sentidos principais: a) uma “qualidade inicial”, estrutural e operacional, para permitir o funcionamento digno e imediato da escola, como sua manutenção predial e aquisição de materiais diversos para as atividades com alunos e desenvolvimento das aulas, assim como de projetos pedagógicos específicos de cada comunidade Ao se referir à comunidade escolar, refere-se ao conjunto de sujeitos da escola, envolvendo todos os seus segmentos: o dos alunos, funcionários, professores e pais/responsáveis. escolar; e b) uma “qualidade social”, que remete a formação integral dos sujeitos, envolve todas as relações escolares, depende da forma de gestão do sistema educacional e da unidade escolar, interfere diretamente na identificação dos sujeitos com a escola e influencia na formação de sua própria identidade.

Buscando se referir ao termo "educação para qualidade", Paulo Freire (2001) explica que este termo implicaria na compreensão de que a qualidade seria o principal objetivo da educação, ou seja, um ideal, como se ela ainda não tivesse sido alcançada. Afirma que há diferentes conceitos de qualidades que se podem almejar alcançar, tendo em vista que a educação não é neutra e que o conceito de qualidade adotado pode ser trabalhado em função dos interesses de certas classes ou grupos, em detrimento de outros (FREIRE, 2001, p. 23).

Sabendo que a qualidade da educação depende de uma opção política que demande uma decisão para materializá-la, no sentido que trata Freire, Vitor Paro (2001) escreve sobre a necessidade de formar um conceito mais fundamentado de qualidade da educação, que sirva de parâmetro para a proposição de políticas públicas consistentes e realistas para a escola, se referindo a uma qualidade que não foque a educação como sendo possível de ser medida estatisticamente, compreendendo que para haver a “educação de qualidade”, ela não deve ser fundamentada apenas pela informação e conteúdos, mas pela atualização histórico-cultural do sujeito, a qual é muito mais rica e complexa do que a simples transmissão de informações.

A educação de qualidade está ligada à dimensão social da formação dos educandos, a qual perpassaria por todas as atividades pedagógicas da escola, compreendendo que as estruturas didáticas e administrativas da escola são meios para alcançar uma qualidade social, conforme os objetivos a que a escola se propõe.

“Estabelecido o objetivo educativo, é pela atividade administrativa enquanto prática mediadora que se consegue alcançá-lo” (PARO, 2008, p. 79), portanto, tendo em vista a qualidade que se objetiva, como proposta de atuação pedagógica, é que são desenhadas as práticas administrativas, organizacionais e estruturais do sistema educacional, em uma lógica coerentemente democrática e participativa para alcançar tais objetivos.

A escola carece de reformas profundas para se alcançar esta qualidade, e as políticas públicas de educação devem compreender a função escolar de formação para a democracia, com projetos e medidas que adotem essa função de forma explícita e planejada, orçando os recursos públicos para a educação de acordo com a qualidade em questão, planejando formas de promover cada vez maior autonomia pedagógica da escola, de maneira a não homogeneizar os currículos e conteúdos, ao mesmo tempo em que também promove sua autonomia financeira, como maneira de viabilizar e pôr em prática seus projetos pedagógicos específicos, facilitando o uso de seus recursos através de repasses e procedimentos burocráticos mais ágeis e transparentes. Para isso é que os recursos financeiros descentralizados devem ser utilizados e são políticas públicas imprescindíveis na melhoria da qualidade do ensino.

A transferência destes recursos diretamente à escola pública é uma política necessária, em três sentidos principais:

Para garantir a boa operação no dia-a-dia da escola, de suas instalações, permitindo e otimizando seu funcionamento cotidiano (em relação às suas despesas com manutenção e estrutura, contratação de serviços e aquisição de materiais necessários ao bom funcionamento da escola) – com efeitos percebidos em curto prazo –, pois as escolas pesquisadas A pesquisa (VIANA, 2015) foi realizada em cinco escolas públicas da rede municipal de ensino da cidade de São Paulo, de diferentes modalidades, localizadas na periferia da cidade: um Centro de Educação Infantil (CEI); uma Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI); uma Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF); um Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA) e uma Escola Municipal de Educação Básica para Surdos (EMEBS). demonstraram que conseguem se equipar e realizar pequenos serviços de manutenção rapidamente, mas com grandes impactos para os alunos.

Para a implementação de seus projetos pedagógicos, específicos de cada escola, conforme interesses de sua própria comunidade, considerando que sem recursos financeiros há poucas condições materiais destes projetos serem implementados e concretizados.

Para a formação dos cidadãos em direção ao fortalecimento da democracia, pois a utilização dos recursos descentralizados depende de participação da comunidade escolar em processos decisórios, como um exercício político e democrático, com discussões e decisões coletivas sobre o uso, a otimização e a prestação de contas dos recursos públicos, contribuindo para uma gestão democrática na escola – com efeitos também à longo prazo, ligados a melhoria da qualidade (social) do ensino.

Neste terceiro aspecto, as políticas de descentralização de recursos trazem efeitos à longo prazo, não apenas porque os processos de participação necessitam de grandes esforços, orientação e fomento para serem implementados, mas também porque o desenvolvimento da cultura democrática é um processo longo, que deve ocorrer na própria escola, onde os sujeitos da comunidade escolar possam, mesmo que a longo prazo, utilizar estes princípios em outras instâncias da sociedade, de forma a levar práticas democráticas para além do âmbito escolar.

A transferência de recursos financeiros descentralizados diretamente para as escolas públicas, sob esta perspectiva, representa um fator indutor da democratização da gestão. Os processos de participação para promover a autonomia pedagógica da escola contribuem para o desenvolvimento da "cultura democrática" e do "hábito democrático", compreendendo que a participação em discussões públicas e coletivas, permite que, dentre a diversidade de culturas, posições e opiniões, o sujeito encontre sua própria especificidade e se posicione, sinta-se partícipe de um projeto e parceiro de sua própria escola, valorizando-a e agindo mais ativamente nas atividades escolares, assim como, potencialmente, na comunidade em que vive, incidindo criticamente sobre as estruturas de reprodução da desigualdade social.

De onde vêm estes recursos, quais seus objetivos, montantes e procedimentos de uso?

Os recursos financeiros descentralizados são aqueles transferidos diretamente às escolas públicas, por meio de programas governamentais (federais, estaduais e municipais).

Por meio destes programas, os governos transferem recursos financeiros para uma conta bancária específica de uma Unidade Executora (UEx), em geral (em São Paulo), a Associação de Pais e Mestres (APM) de cada escola A APM é uma associação civil, cadastrada como pessoa jurídica de direito privado, registrada em cartório com estatuto e ata de eleição de seus membros; é presidida pelo diretor da escola, que convoca assembleia para eleição de Conselho Deliberativo, Diretoria Executiva e Conselho Fiscal; é composta por professores, pais de alunos, alunos maiores de 18 anos, ex-alunos ou ex-professores; tem o objetivo de integrar alunos, pais e professores, visando colaborar com o processo educacional e representar a comunidade escolar. .

O primeiro programa nacional de transferência de recursos financeiros para a escola pública foi o PDDE, criado em 1995 (Resolução nº 12, de 10/05/1995, do Ministério da Educação – MEC), integrando um dos programas do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE). Inicialmente, o PDDE era destinado apenas para o Ensino Fundamental, mas a partir da Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, foi estendido aos alunos de toda a educação básica.

Os recursos do PDDE são transferidos conforme o número de alunos das escolas (Censo INEP/MEC do ano anterior) e, até 2013, os repasses eram feitos uma vez ano, já a partir de 2014, eles foram divididos em duas parcelas anuais

A partir de 2013, com implementação em 2014, o PDDE passou a abranger outras modalidades de ação, conhecidas como “ações complementares”, ou "ações agregadas", para além dos repasses do "PDDE tradicional", que representam parcelas adicionais de recursos à algumas unidades executoras, selecionadas pelo FNDE com critérios definidos por ele e com base no Censo Escolar, com propósitos específicos. As ações complementares são nove: 1) PDDE - Água na Escola; 2) PDDE - Escola de Campo; 3) PDDE - Escola Acessível; 4) PDDE - Mais Cultura nas Escolas; 5) PDDE - Sala de Recursos Multifuncional; 6) PDDE - Escola Sustentável; 7) PDDE - PDE Escola; 8)PDDE - Mais Educação (Educação Integral) e 9) PDDE - Atleta na Escola. Entretanto, a pesquisa a que se refere o presente artigo tinha como objetivo a verificação do PDDE em uma seleção de escolas municipais de São Paulo abrangendo o período de 2007 a 2013, portanto, o presente trabalho não se debruçará sobre estas novas ações complementares.

Segundo a Resolução nº 19 de 15 de maio de 2008, FNDE-MEC, o PDDE pode ser utilizado:

a) na aquisição de material permanente, quando receberem recursos de capital Materiais permanentes são adquiridos com recursos de capital, ou seja, são itens com maior duração, incorporados pela escola como bem patrimonial, com termo de doação, tais como mobiliário e equipamentos, (bebedouros, ventiladores, equipamentos audiovisuais, computadores, impressoras, etc.).;

b) com serviços de terceiros, na manutenção, conservação e pequenos reparos da unidade escolar Exemplos de despesas com serviços de terceiros são: pintura e reparos na estrutura física e nas instalações elétricas, hidráulicas ou sanitárias do prédio escolar, limpeza de caixa d’água, calhas, fossa e demais serviços correlatos.;

c) na aquisição de material de consumo necessário ao funcionamento da escola Materiais de consumo são adquiridos com recursos de custeio, pois são itens que tem a duração limitada, como material de limpeza, material de expediente e de papelaria, matérias para serviços de terceiros ligados à manutenção da escola, etc..;

d) na avaliação de aprendizagem, na implementação de projeto pedagógico e no desenvolvimento de atividades educacionais Exemplos: aquisição de jogos pedagógicos, DVDs, material esportivo e artístico; realização de passeios/excursões/apresentações teatrais, musicais e culturais; material de informática (“pendrive”, cartucho para impressora); fotocópia ou impressão de materiais utilizados nas atividades educacionais e de avaliação de aprendizagem, desde que observadas as normas de direitos autorais.;

e) na implementação do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE Escola O PDE Escola é um programa de apoio à gestão escolar baseado no planejamento participativo e destinado a auxiliar as escolas públicas a melhorar a sua gestão. Para as escolas priorizadas pelo programa, o MEC repassa recursos financeiros, através do PDDE, visando apoiar a execução de todo ou de parte do seu planejamento <http://pdeescola.mec.gov.br>, acessado em abril de 2016. );

f) no funcionamento das escolas nos finais de semana; e

g) na promoção da Educação Integral.

O propósito dos recursos do PDDE, conforme suas definições legais, é o de “contribuir para o provimento das necessidades prioritárias dos estabelecimentos educacionais beneficiários que concorram para a garantia de seu funcionamento e para a promoção de melhorias em sua infra-estrutura física e pedagógica, bem como incentivar a autogestão escolar e o exercício da cidadania com a participação da comunidade no controle social”. (BRASIL. MEC. Resolução nº 10/2013).

A pesquisa de campo verificou, por exemplo, que em uma EMEF da cidade de São Paulo (VIANA, 2015), com 784 alunos, a APM recebeu R$15.040,00 provenientes do PDDE, em 2013, correspondendo ao valor de R$ 19,18 por aluno, naquele ano.

Segundo o Manual de Orientações sobre o PDDE (PMSP, 2010), elaborado pela Secretaria Municipal de Educação (SME) para auxiliar a definir as prioridades de aplicação da escola, é necessário elaborar um "Plano de Aplicação dos Recursos" e o diretor da escola deverá reunir os membros da APM para planejar o adequado e racional uso do dinheiro, mediante o levantamento, a identificação e a quantificação dos materiais/bens a serem adquiridos e dos serviços a serem contratados para suprir as necessidades prioritárias da escola:

A utilização dos recursos deve pautar-se pelos princípios da socialização no ambiente escolar, dos benefícios dos bens adquiridos e dos serviços contratados, da garantia de funcionamento da escola, da elevação da qualidade do processo ensino-aprendizagem e da efetivação da proposta pedagógica da escola, vedado, portanto o uso do dinheiro na compra de bens/materiais e na contratação de serviços que resultem em benefícios individuais e privativos e que não atendam ao interesse coletivo ou concorram com o objeto de programas instituídos pelo FNDE (PMSP, 2010, p.7).

Nos moldes do PDDE, foi criado na rede municipal de ensino de São Paulo o Programa de Transferência de Recursos Financeiros (PTRF), em 2005 (Lei nº. 13.991 de 10/06/2005), destinado a toda a educação básica, porém, com grande diferença do PDDE em relação a quantidade de repasses e ao valor do montante anual.

Os recursos do PTRF são transferidos às escolas municipais de São Paulo quadrimestralmente, três vezes ao ano, o que permite que a escola planeje o uso destes recursos com mais tempo, contando com maior frequência de repasses, o que significa maior organização da gestão e oferece maior autonomia financeira em outros períodos do ano.

A utilização e prestação de contas dos recursos do PTRF seguem basicamente as mesmas normas do PDDE, com recursos voltados para compra de material de consumo e permanente, a partir de verba de custeio e capital, contratação de serviços, no desenvolvimento das atividades educacionais e na implementação do Projeto Pedagógico, pequenos investimentos que contribuem supletivamente para garantir o funcionamento da Unidade de Ensino, com o objetivo de garantir maior autonomia às escolas.

Os valores são destinados em parcelas calculadas com base nos dados do Censo Escolar do ano anterior, levando-se em conta a disponibilidade orçamentária anual, e devem ser gastos integralmente no seu destino ou reprogramados, assim como os repasses do PDDE.

Conforme as orientações legais, a utilização dos recursos do PTRF deve resultar de decisões conjuntas, tomadas em reuniões/assembléias da APM, realizadas para definir as prioridades da escola. Conforme as orientações da Secretaria Municipal de Educação:

a adoção desta prática propicia o exercício da cidadania, o controle social, a transparência, a racionalidade, a criatividade e a garantia da qualidade dos bens adquiridos e dos serviços contratados, bem como o bom resultado do emprego dos recursos. Deve pautar-se pelos princípios da socialização no ambiente escolar, dos benefícios advindos dos bens adquiridos e dos serviços contratados, objetivando garantir de forma suplementar o funcionamento da escola, a elevação da qualidade do processo ensino-aprendizagem e a efetivação da proposta pedagógica da Unidade Educacional (PMSP, 2008, p.20).

Assim como o PDDE, o PTRF também exige um Plano Anual de Atividades (PAA) para o planejamento do uso dos recursos, também chamado Plano de Aplicação de Recursos, com suas prioridades estabelecidas em consonância com o Projeto Pedagógico, as quais devem ser registradas em Ata e enviadas à Diretoria Regional de Educação (DRE) juntamente com os documentos comprobatórios de prestação de contas (uma forma de induzir a participação coletiva nas decisões sobre destinos dos recursos descentralizados).

Como exemplo do montante transferido pelo PTRF, tem-se que uma das escolas pesquisadas (EMEF, referida como exemplo em relação ao montante anual do PDDE), com 784 alunos, recebeu R$ 34.305,00 em 2013, ou R$ 43,75 por aluno, naquele ano.

Para além dos programas mencionados, as escolas públicas municipais de São Paulo também recebem recursos provenientes da chamada “Verba de Adiantamento”, que depende das destinações orçamentário-financeiras de cada ano da prefeitura, com valores estabelecidos pela administração central da SME, não possuindo uma legislação específica sobre cálculo dos valores a serem repassados para as escolas.

A verba de adiantamento é uma verba extraordinária de pagamento de despesas públicas expressamente definidas em lei, através da qual se coloca um numerário à disposição de um servidor ou funcionário público, a fim de dar-lhes condições de realizar gastos emergenciais que não possam subordinar-se ao processo normal de aplicação (empenho, liquidação, pagamento), conforme artigo 68 da Lei Federal 4.320/64.

A pesquisa de campo observou que a verba de adiantamento é destinada à todas as escolas da rede municipal de ensino de São Paulo, transferida como uma concessão do(a) Titular da Unidade Orçamentária de cada DRE, isto é, do(a) Diretor(a) Regional de Educação. Ela é um recurso financeiro utilizado para o atendimento exclusivo de casos excepcionais, emergenciais, não subordináveis aos procedimentos licitatórios – para atendimentos imediatos (Lei 10.513/88 e Decreto 48.592/07), somente para atender despesas que acontecem sem previsão, inesperadas, respeitando o limite de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) no total de serviço mais material utilizado, sendo necessário justificar e detalhar a emergência para a realização da despesa, explicando (nos documentos de prestação de contas) sobre a impossibilidade de aguardar o atendimento pelas vias normais de aplicação.

Quanto a um exemplo do montante anual recebido pelas escolas por meio da Verba de Adiantamento, tem-se que a EMEF pesquisada (VIANA, 2015), com 786 alunos, em 2007, registrou R$ 32.800 provenientes da Verba de Adiantamento.  Já em 2013, com 784 alunos, foi registrado o montante anual de R$15.500.

Quanto os recursos financeiros descentralizados representam para uma escola em termos de valores (R$)?

A fim de comparar os montantes de cada um destes programas o gráfico 1 mostra as médias dos recursos financeiros descentralizados recebidos pelas escolas pesquisadas entre 2007 e 2013 e demonstra que os recursos do PTRF (em vermelho) são mais significativos para todas as cinco escolas participantes da pesquisa, representando sempre mais do que a metade do total dos recursos descentralizados transferidos à escola.  Fica também nítida a parcela que representa o PDDE (em azul) no valor total das escolas municipais pesquisadas (cerca de 10%). Os gastos com a Verba de Adiantamento (em verde) corresponderam, em média, em torno de 30% do total das escolas no período.

Gráfico 1: Valores percentuais dos montantes repassados às escolas pelo PDDE, PTRF e Verba de Adiantamento (média entre os anos de 2007 a 2013).
Fonte: VIANA, 2015, p.271.

A próxima tabela permite visualizar o valor anual total que cada escola pesquisada recebeu entre os anos de 2007 a 2013:

Tabela 1: Montantes anuais totais das escolas pesquisadas e valor por aluno/ano (PDDE, PTRF e Verba de Adiantamento), com valores nominais em Reais (R$).
Fonte: VIANA, 2015, p.269.

O quadro permite verificar, por exemplo, que a EMEF contou com o total de R$ 79.691,20, em 2007, que foi o maior valor encontrado pela verificação em campo e que representou de R$ 93,42 por aluno/ano. O maior valor por aluno/ano foi o do CEI, com R$ 316,88 por aluno/ano, também em 2007.

Em relação aos valores anuais por aluno, tem-se que o CEI possuiu montantes mais elevados, com R$ 258,16 por aluno/ano em 2013, por exemplo. A segunda escola que contou com o valor total anual maior de recursos transferidos foi a EMEBS, e a terceira a EMEI, enquanto que a EMEF fica em quarto lugar e o CIEJA, em quinto, com o valor maior de R$ 66,14 por aluno/ano, em 2013, e apenas R$ 10,55 por aluno/ano, em 2008.

Verifica-se na legislação do PTRF, que há um critério de repasse que incide sobre o cálculo dos valores, disponibilizando mais recursos às escolas de Educação Infantil e às escolas de educação especial do que às escolas de Ensino Fundamental, por conta de terem um número muito menor de alunos matriculados (PMSP, 2014).

Apesar de os valores por aluno/ano destes recursos parecerem valores muito baixos, na verdade, seu montante total significa importante possibilidade de gastos para as escolas, com materiais permanentes (tanto pedagógicos quanto para a estrutura escolar), materiais de consumo (tanto pedagógicos quanto de expediente ou ainda materiais para manutenção predial da escola) e também com serviços de terceiros (tanto pedagógicos e culturais, serviços de transporte para excursão de alunos, quanto serviços para manutenção e estrutura escolar), dentre outras possibilidades de gasto, se constituindo como valores extremamente significativos para operação da escola e para o desenvolvimento da qualidade de ensino.

O próximo gráfico permite elucidar a média percentual que as escolas pesquisadas aplicaram em cada categoria de despesa, dentre o período dos sete anos investigados.

Em comparação ao que é gasto com materiais e serviços de terceiros para manutenção e estrutura da escola, resta pouco para gastos com serviços pedagógicos efetivamente.

Gráfico 2: Valores percentuais da aplicação dos recursos repassados às escolas pesquisadas pelo PTRF e PDDE (%) classificados por categorias de despesas (média entre os anos de 2007 a 2013).
Fonte: VIANA, 2015, p.274.

Pode-se notar que a parcela de gasto com despesas de caráter de manutenção e estrutura (em vermelho) concorre com a parcela de gastos com despesas de caráter pedagógico (em azul), com exceção do ocorrido no CEI. Apesar disto, quando se analisa a categoria chamada “despesas de caráter pedagógico”, dados mais específicos da pesquisa demostram que, dentro desta categoria de despesa existem outras subcategorias que a constituem, as quais nos permitem observar que os gastos de caráter pedagógico refletem mais as despesas com material de consumo (39,56% do total das despesas de caráter pedagógico são, em geral, de papelaria e materiais de expediente) do que com materiais pedagógicos permanentes (13,6%), serviços pedagógicos ou culturais (2,9%) e serviços de transporte ou excursões (0,7%), ou (VIANA, 2015, p. 272).

Quanto o PTRF representa para o município em termos de valores (R$)?

O principal fator identificado pela dimensão macro da pesquisa foi que os recursos do PTRF, por exemplo, apesar de serem extremamente significativos para a escola, representam menos de 1,0% do total que é aplicado em educação no município (VIANA, 2015, p. 301). Os dados trazidos pela pesquisa demonstraram que, em 2007, por exemplo, a aplicação total com recursos do PTRF correspondeu a apenas 0,83% (o maior percentual da série histórica analisada) dos recursos da despesa total empenhada líquida no município. Em 2013, este valor correspondeu a menos de meio por cento (0,46%).

Tabela 2: Demonstrativos Orçamentários da Educação Municipal de São Paulo (2007 a 2013): aplicação total em Educação comparada à aplicação do PTRF (valores monetários corrigidos, expressos em R$1.000,00).
Fonte: Adaptado com base em VIANA, 2015, p. 178.

Neste sentido, os dados nos permitem indagar que, para a criação de um programa como o PTRF, mesmo considerando a capacidade econômica da prefeitura municipal de São Paulo (diferenciada em relação a outros municípios), é necessário menos de 1% do total da aplicação legal total na educação municipal, o que se acredita ser pouco, tendo em vista a abrangência de um programa como este e o quão significativo ele é para a promoção da qualidade inicial e social da educação numa rede municipal de ensino. Agregando-se a este programa a estimativa de que a Verba de Adiantamento representa cerca de 30% dos repasses recebidos em média pelas escolas, pode-se estimar que seria menor que 1,5% da aplicação legal que poderia ser transferida às escolas.

Esta constatação da pesquisa demonstra que muitos outros municípios, mesmo com poder econômico inferior ao de São Paulo, poderiam criar programas similares aos do PTRF, a fim de contribuir para a gestão democrática da escola, para o desenvolvimento de seus projetos pedagógicos e para a sua operação e conservação estrutural no dia-a-dia, com procedimentos de gastos mais ágeis à disposição das escolas.

COMO APRIMORAR OS PROGRAMAS QUE TRANSFEREM RECURSOS FINANCEIROS DESCENTRALIZADOS? QUAIS AS SUGESTÕES DA PESQUISA?

A pesquisa argumenta que enquanto os recursos financeiros centralizados forem insuficientes (construção de escolas, número de alunos por sala, valorização do trabalho docente – tanto no sentido salarial e de plano de carreira, quanto no sentido de sua formação para desenvolver projetos políticos pedagógicos específicos de cada escola), os recursos financeiros descentralizados continuarão insuficientes, se manterão mais voltados para gasto predial e com manutenção do que de fato para atividades pedagógicas.

Discute-se que os equipamentos e materiais necessários ao bom funcionamento da escola, principalmente os de caráter permanente (despesas de capital), como os de informática e tecnologia (computadores, impressoras, projetores, equipamento de áudio e multimídia), assim como materiais e serviços essenciais para a criação e estruturação de espaços fundamentais da escola, como bibliotecas, quadras esportivas, parques, laboratórios e outros espaços pedagógicos (necessários à qualidade do ensino oferecido pela escola), devem ser despesas realizadas de forma centraliza, por parte do gabinete da SME, por meio de levantamentos sistemáticos e discussão junto às escolas para o estabelecimento de suas demandas e das aquisições a serem realizadas.

Os gastos de infra-estrutura, fundamentais para a promoção da qualidade da escola, ao serem feitos de maneira centralizada, tornam necessária uma grande organização por parte da SME, tal como o levantamento das necessidades físicas das escolas da rede, com a tomada de suas prioridades de gastos com materiais permanentes e serviços de grandes reformas, para dar início aos processos licitatórios para realização de compra e contratação de serviços com recursos públicos, voltados para todas as escolas da rede, a fim de garantir estrutura e equipamentos mínimos para cada escola. Deste modo, as APMs não teriam que gastar grande quantidade de seus recursos com este tipo de despesas, até porque se elas fossem realizadas de forma centralizada, os gastos seriam feitos em larga escala e os custos poderiam ser reduzidos, podendo haver maior otimização das aplicações dos recursos públicos (através de diferentes processos de licitação, neste caso).

Ou seja, com manutenção centralizada, os recursos financeiros descentralizados permitiriam uma melhoria das condições concretas da escola, buscando ampliar a qualidade para a operacionalização e manutenção diária de suas atividades. Porém, com recursos centralizados insuficientes, os recursos financeiros descentralizados continuarão insuficientes por um longo período.

No que diz respeito ao aumento dos gastos com despesas de caráter pedagógico, a pesquisa discutiu que é necessário também um investimento na formação dos representantes escolares, coordenadores pedagógicos, diretores e professores, na orientação sobre o que significa o PPP das escolas, como deve ser elaborado (em parceria com a comunidade) e que ele deve ser concretizado também com os recursos transferidos, orientando as escolas sobre a vasta possibilidade de uso destes recursos, já que os dados coletados pela pesquisa empírica demonstraram que as escolas pesquisadas ainda estão muito modestas em relação às suas aspirações pedagógicas, pois os gastos encontrados em campo correspondem, geralmente, apenas aos materiais de papelaria.

A pesquisa argumenta ainda que o PPP deve ser revalorizado, que haja formação para sua retomada, de forma a superar as falhas que impedem sua viabilidade: que ele não seja um projeto “engavetado”, mas que seja revitalizado, desmembrado em projetos menores (não apenas um PPP como eixo norteador e teórico, mas que traga pequenos planos práticos de calendário e atividades pedagógicas – excursões, viagens, feiras) para que haja pequenos orçamentos de quanto custará para pôr em prática as ideias do PPP, com explicitações sobre os recursos financeiros necessários para sua implementação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema tratado neste artigo revela a importância de aprofundamento teórico e prático de duas áreas de conhecimento afetas ao setor educativo: o financiamento da educação e a gestão democrática de redes e unidades escolares.

Em tempos de desvalorização da autonomia escolar, em que os ainda insuficientes investimentos na educação pública e os padrões internacionais e nacionais de currículo e de avaliações externas são impostos sobre a escola, numa perspectiva totalmente divergente da valorização docente e da valorização da identidade e capacidade da escola pública (divergente da qualidade social), os recursos financeiros descentralizados têm trazido novas alternativas, significando importantes possibilidades de gastos e investimentos no que cada escola realmente necessita, de acordo com sua própria realidade e identidade, pois com eles, a escola pode ser capaz de ir além das condições impostas atualmente.  Ter maior grau de autonomia de gestão financeira pode lhe conferir maior grau de autonomia pedagógica, para a criação e desenvolvimento de atividades pedagógicas diversas: artísticas, científicas, culturais, esportivas, ligadas a formação de seus professores e alunos, conforme suas próprias decisões, especificidades e planejamento coletivo.

Argumenta-se que a descentralização de recursos financeiros transferidos diretamente para a escola pública pode minimizar potencialmente as dificuldades que as mazelas carregadas pelo sistema educacional impõem à realidade escolar em seu cotidiano, reduzindo os problemas escolares quanto à falta de materiais, equipamentos ou serviços de manutenção que são necessários para o bom funcionamento da escola diariamente. Além disso, promove o aumento da autonomia escolar, valorização e desenvolvimento da cultura democrática e do controle social, contribuindo, à longo prazo, para a cultura qualidade social da educação, com vistas à democracia participativa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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PARO, V. H. Escritos sobre educação. São Paulo: Xamã, 2001.

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