POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS E A AVALIAÇÃO DA QUALIDADE: FUNDAMENTOS

Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar os fundamentos teóricos e conceituais para a discussão da avaliação da qualidade educacional no cenário atual das políticas públicas de educação básica no Brasil. Em termos metodológicos, é realizada exploração bibliográfica de autores e conceitos-chave consagrados na área de políticas públicas educacionais no contexto do fortalecimento dos processos democráticos e da instrumentalização da sociedade para o exercício da cidadania. O trabalho aponta para a primordialidade de se constituir as bases com vistas à efetivação do direito à educação de qualidade por meio da melhoria das escolas, da primazia do interesse público e da orquestração entre projeto político e projeto educacional.

Palavras-chave: política educacional; avaliação; qualidade.


INTRODUÇÃO

Quais são os fundamentos que podem ser apontados para se abordar a temática qualidade educacional sob o horizonte do fortalecimento dos processos democráticos e da instrumentalização da sociedade para o exercício da cidadania? O esforço para responder a essa questão localiza-se no eixo central que orienta o desenvolvimento deste trabalho e se constitui como motivação em face do momento ao qual a sociedade brasileira está vivendo.

Neste momento histórico marcado pelo meio técnico científico informacional, o Brasil tem conquistado avanços inquestionáveis na cobertura educacional, apesar disso, é incontestável a urgência de se canalizar esforços para não só garantir o direito à educação, mas uma educação de qualidade conforme dispõe a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996).

Assinala-se que o presente artigo tem como objetivo apresentar os fundamentos teóricos e conceituais para a discussão da avaliação da qualidade educacional no cenário atual das políticas públicas de educação básica no Brasil. Nesse sentido, em termos metodológicos, em harmonia com a compreensão adotada no parágrafo anterior, será realizada exploração bibliográfica de autores e conceitos-chave consagrados na área de políticas públicas educacionais.

ANÍSIO TEIXEIRA E A EDUCAÇÃO PÚBLICA

A ciência não nos vai fornecer receitas, para as soluções dos nossos problemas, mas o itinerário de um caminho penoso e difícil, com idas e voltas, ensaios e verificações e revisões, em constante reconstrução, a que não faltará, contudo, a unidade de essência, de fins e objetivos, que estará contida não só em nossa constituição democrática, como na consciência profissional, que pouco a pouco se irá formando entre os educadores. Será por este modo que melhor nos deixaremos conduzir pelo método e espírito científico (TEIXEIRA, 1956, p. XIX).

Em face do propósito deste estudo manifestado no tópico introdutório, reportar-se-á neste momento do trabalho a uma retomada de posicionamentos e ideias do pensador brasileiro Anísio Teixeira, que em razão de sua envergadura teórica nesse campo não pode estar ausente em reflexões dessa natureza. Anísio Teixeira integra de modo ímpar o arcabouço do conhecimento educacional pátrio e suas contribuições são de grande relevância.

Cabe registrar que as transformações tecnológicas e as mudanças de concepções da sociedade neste início de século tencionam no sentido de pleitear novas posturas e ações com o intuito de garantir não somente o direito à educação, mas que ela seja de qualidade. Portanto, faz-se prioritário assumir valores caros para o fortalecimento de processos democráticos considerados cruciais na sociedade atual. Nessa esteira de ideias, também é substancial se libertar de inconvenientes como aqueles apontados por Anísio Teixeira (1956, p. IX), a saber: “[...] a perda do senso de comunidade, a exaltação dos propósitos individuais ou de grupos, a indiferença ou descaso pelos códigos morais, o gosto pela excitação vazia, senão prejudicial – em detrimento dos valores mais finos e altos da civilização”.

Para Anísio Teixeira (1956) é incontestável que a tardia realização de uma educação popular pela escola no Brasil (ao contrário do que aconteceu em parte significativa do mundo europeu ainda no final do século XIX ou primeiras décadas do século XX) deixou marcas profundas de exclusão que devem ser duramente combatidas com a convergência de esforços no sentido de enfrentar o problema da revisão, da redireção e do refinamento dos valores educacionais e da instituição escola. Esse enfrentamento não encontra outro caminho que não seja a constituição de um “[...] robusto e consistente sistema de educação pública” (TEIXEIRA, 1956, p. X). Como se percebe, a escola pública ocupa lugar privilegiado nas reflexões desse educador.

As fragilidades da política educacional brasileira refletem as ausências de reformas profundas na estrutura social e que resultaram na transformação da escola em um espaço despreparado para atender as demandas e as mudanças no bojo da dinâmica política e social do país. Sustenta-se o entendimento de que no atual momento da sociedade brasileira em busca de consolidar a sua cambiante democracia é preciso romper com a herança de um ensino que era “[...] quase que só para a camada mais abastada da sociedade, sempre tendeu a ser ornamental e livresco” (TEIXEIRA, 1956, p. XI).

Esse divórcio é fundamental porque um país que pretende ser democrático não pode preservar tradições arraigadas de um caldo cultural sustentado em práticas coloniais e escravocratas. Assim, a educação deve ser tratada de forma a constituir bases para uma atuação mais informada, consistente e qualificada da população, e nesse sentido é imprescindível assegurar condições necessárias para que o ensino não seja mera ornamentação ou verbalismo (TEIXEIRA, 1956).

A luta por uma educação de qualidade é reconhecida por Anísio Teixeira como sendo uma guerra que se sabe como começa, mas não se sabe como acaba e, nesse sentido, deixa claro a sua postura com afinco em defesa da escola pública, gratuita e de qualidade. A sua luta é: “Menos do que expansão quantitativa, lutamos por melhorar a qualidade de nossas escolas.” (TEIXEIRA, 1956, p. XIII).

Essa posição evidencia que não se trata somente de ter alunos matriculados; é preciso uma preocupação constante com as condições de realização da educação, porque se não repensarmos a escola ela continuará injetando na “[...] sociedade o veneno de suas decepções ou dos seus desajustamentos”. Para evitar a dissolução dos avanços, assevera que alguns passos são inevitáveis:

Assim é que não podemos fazer escolas sem professores, seja lá qual for o nível das mesmas, e, muito menos, ante a falta de professores, improvisar, sem recorrer a elementos de um outro meio, escolas para o preparo de tais professores. Depois, não podemos fazer escolas sem livros. E tudo isto estamos fazendo, invertendo, de modo singular, a marcha natural das coisas. Como não temos escolas secundárias por nos faltarem professores, multiplicamos as faculdades de filosofia, para as quais, como é evidente, ainda será mais frisante a falta de professores capazes. Se não podemos fazer o menos, como podemos fazer o mais? Para restabelecer o domínio deste elementar bom-senso, em momento como o atual, em que a complexidade das mudanças impede e perturba a visão, são necessários estudos cuidadosos e impessoais. (TEIXEIRA, 1956, p. XVII)

Avaliar a educação básica é um exercício de julgamento que deve ser conduzido com o máximo de cautela, haja vista que essa avaliação não pode ser delegada a incautos que não têm compromisso com o interesse público. Esse julgamento precisa de métodos que expressem o esforço em se alcançar ações articuladas e sistêmicas, demonstrando a maior segurança possível na construção da medida. Para tanto, é obrigatório considerar os objetivos educacionais e ter em vista as dimensões do planejamento para atingi-los.

POLÍTICAS EDUCACIONAIS: PROJETO, RELAÇÕES E NATUREZA

A política é feita na própria política. Não há outro caminho para construir uma nova política, independente de qual política seja, sem ser por meio do enfrentamento da política que aí está. É na política e por meio dela que as alternativas surgem e que se desenha o futuro a partir do passado e, necessariamente, condicionado pelo presente.

Na visão de Miguel (2015), a atividade política está presente em todas as sociedades humanas e essa categoria é considerada basilar para a vida social. Ela alcança, portanto, os mais distintos planos e torna difícil “[...] produzir um conceito conciso, inequívoco e satisfatório de política” (MIGUEL, 2015, p. 7), mas é inexoravelmente uma necessidade humana.

Ao se pensar a política sob o viés das políticas públicas é importante ter ciência de que tais políticas “[...] são construções sociais e históricas cujos determinantes são necessariamente complexos e múltiplos” (GOMES, 2011, p. 19). Assinala-se que no recorte aqui estabelecido das políticas educacionais os bens educativos compõem o capital que serve de mecanismo para o processamento das condições que conduzem a geração da desigualdade por meio da concentração do poder social.

Essas políticas são na verdade resultantes da construção política/social e estão relacionadas aos interesses humanos que movimentam as ações. Em conformidade com as ponderações de Gomes (2011, p. 22), se trata de “[...] produto da ação humana interessada”. Nessa perspectiva, constata-se que as relações interessadas são manifestadas no ambiente educacional por meio da ocorrência de disputas sociais que revelam os interesses, anseios e visões dos distintos grupos inseridos no plano da política e da economia.

Outro aspecto que merece ser considerado é o fato de que o Estado é uma estrutura de poder capaz de mover a força política da classe dominante. De acordo com a leitura de Araújo e Almeida (2010, p. 102), o Estado moderno é “[...] apenas um comitê para administrar os assuntos comuns da burguesia, o que torna um mecanismo destinado a reprimir a classe oprimida e explorada” (ARAÚJO; ALMEIDA, 2010, p. 102). Assim, se constitui como uma organização que cuida da burocracia a serviço da dominação via jogo dos aparelhos institucionais. Essa crítica deixa evidenciado o fato de que o Estado tem a responsabilidade primordial de garantir as condições para a maximização das ações da classe dominante.

É bom lembrar que a “[...] classe dominante, muitas vezes, sacrifica parte dos seus interesses imediatos e supera o horizonte corporativo na busca de articular alianças e construir uma hegemonia ética e política” (ARAÚJO; ALMEIDA, 2010, p. 103). Isso porque, sob a perspectiva de Gramsci (2011), o Estado é ocupado por diversos grupos com interesses conflitantes e que a classe dominante precisa fazer concessões que permitem a sua manutenção, já que é imprescindível revestir a força de consenso (coerção e hegemonia).

Então, em face desses processos, qual o significado de se constituir políticas que assegurem a qualidade educacional? A promoção de uma educação de qualidade assume também o objetivo de fortalecer os mecanismos na sociedade para poder encampar o enfrentamento de forças de governos que fazem uso da opressão, da exclusão social e da suspensão da liberdade como instrumentos para sua vida política.

Discutir qualidade é também preocupar-se com a edificação de uma sociedade que se baseie nos princípios da ética e do pluralismo que devem “[...] orientar o governo das ‘coisas comuns’ a todos e pautar as ações e políticas do interesse de todos” (ARAÚJO; ALMEIDA, 2010, p. 105). Como se percebe, é possível construir plataformas para os grupos dominados no sentido de promoverem meios que lhes permitam superar sua condição na sociedade e galgar o comando do conjunto da sociedade. Para tanto, é necessário articulações que interfiram nas instituições que promovem a hegemonia ética e política.

As políticas educacionais precisam ser compreendidas a partir do projeto político delineado pelo Estado, tendo em vista as contradições de acordo com o instante histórico. De uma forma ou de outra, as políticas públicas sociais são “[...] produto das lutas, pressões e conflitos entre os grupos e classes que constituem a sociedade” (ARAÚJO; ALMEIDA, 2010, p. 106). Logo, dizem respeito a consensos e dissensos conforme o movimento e jogo de interesses e possibilidades de se fazer prevalecer entre os distintos grupos integrantes de uma dada sociedade.

Diante disso, a escola é vista como um lugar privilegiado para a realização ou reprodução de valores, posicionamentos, ideias, conceitos e entendimentos que são manifestações da relação entre intervenção estatal e a estrutura da organização social. Assim, fica patente que a política educacional é realizada nas relações sociais e históricas. Para Araújo e Almeida (2010, p. 107), elas “[...] são reflexo das relações de dominação e poder que se estabelecem na sociedade, mas, também, espaço de embates e contradições, de lutas pela hegemonia do controle da vida política”.

Cabe lembrar que a educação é elemento marcante para a sociedade humana, “[...] uma vez que tem como tarefa a renovação do mundo” (ARAÚJO; ALMEIDA, 2010, p. 109). A humanidade precisa pensar continuamente como ela deve recepcionar as novas gerações que são responsáveis pela renovação. Certamente, esse é um grande desafio para as políticas públicas educacionais: construir uma educação adequada às novas realidades da contemporaneidade.

A diversidade de condições e oportunidades de formação dos indivíduos no seio social não pode servir de argumento para que o Estado se furte da responsabilidade precípua de garantir coeficiente educacional com padrão de qualidade para o exercício pleno da cidadania.

A discussão da política deve ser pautada na reflexão sobre os direitos educacionais, porque para sua garantia é preciso vontade política e apoio da sociedade com uma participação efetiva. Para tanto, as práticas devem ser repensadas com vistas a se assegurar distribuição equitativa dos recursos em respeito aos princípios e objetivos determinados na Constituição de 1988.

Faz-se necessário, nesse contexto, discutir a natureza da política e da educação. A esse respeito, Gomes (2011, p. 24) entende que são “[...] ciências aplicadas interdisciplinares das áreas sociais e humanas, são disciplinas normativas, e o ‘corpus’ que delas confluem forma a política pública de educação”. Como pressuposto, a política pública tem em seu imaginário a vontade de promover o bem comum ou o atendimento do interesse público, portanto, é coerente se trabalhar vigilante com as questões que envolvem as limitações e implicações de ordem metodológica e epistemológica.

A consideração presente no parágrafo anterior é pertinente porque a “[...] ilusão de um conhecimento objetivo politicamente neutro persiste como argumento preponderante nas práticas altamente competitivas e privatizantes que marcam a corrida da produção de conhecimento e inovação tecnológica” (GOMES, 2011, p. 26). Haja vista que as políticas podem ser realizadas a serviço da manutenção da desigualdade de poder assim como com vistas a promover a transformação social e, deste modo, podem contribuir para a distribuição de poder da sociedade.

Desta forma pode-se dizer, para os defensores e praticantes da teoria crítico-relacional, que os ‘dados quantitativos’ não são propriedade dos praticantes das correntes positivistas ou neopositivistas ou pós-positivistas, assim como não definem se os mesmos ancoram dimensão crítico-emancipadora ou, ao contrário, dimensão a-crítico-conservadora. [...] Aliás, alimentar o debate polar qualidade/ quantidade é prolongar por interesse, má-fé ou ingenuidade a negação do pressuposto da interdependência e da múltipla determinação das políticas públicas. (GOMES, 2011, p. 27)

A visão de que é preciso consolidar a qualidade da educação coaduna com a perspectiva apontada por Dias (2007) no sentido de que a educação é um direito humano fundamental, não somente como um direito da pessoa, mas figura, em essência, como elemento constitutivo do ser. Na Convenção Nacional Francesa de 1793, em seu artigo XXII, dispõe-se que “A sociedade deve favorecer com todo o seu poder o progresso da inteligência pública e colocar a instrução ao alcance de todos os cidadãos”.

Por sua vez, consta na Declaração de 1948, que “Toda pessoa tem direito a instrução” (ONU, 1948, artigo XXVI). Pontua-se, ainda, na Declaração de 1993, que é preciso “[...] garantir que a educação tenha o objectivo de reforçar o respeito pelos Direitos do homem e as liberdades fundamentais” (ONU, 1993, item 33)

Como se percebe pela exposição dos regramentos internacionais, a educação assume o papel essencial no sentido de promover a articulação entre as comunidades, viabilizando o fomento do desenvolvimento social e econômico assim como as condições necessárias para a edificação de uma cultura voltada para a paz e o respeito mútuo. Sem dúvida, a educação é um caminho para o acesso a outros direitos sociais e, por conseguinte, uma educação de qualidade pode contribuir para a redução das desigualdades que estão materializadas espacialmente em nosso país.

De fato, essas condições sociais são a expressão de um contexto de acumulação de capital que marca nos momentos atuais a distribuição do poder do Estado na figura de um aparelho regulador. Assim, verifica-se no Brasil um “[...] crescente processo de desresponsabilização do Estado para com o provimento das condições estruturais de garantia dos direitos sociais do homem, mediante processos de desregulamentação e de flexibilização” (DIAS, 2007, p. 443).
A título de desdobramento desses processos tem-se notado a ampliação das ações de movimentos sociais, bem como de programas governamentais, com o intuito de cristalizar os direitos humanos, visualizando em seu conjunto o direito à educação.
De acordo com um dos principais protagonistas da Campanha em Defesa da Escola Pública, o pioneiro Anísio Teixeira (1957), a educação deve ser prioridade do Estado, não podendo ser relegada a particulares porque estes vão privilegiar os que podem pagar por ela. Assim sendo, o Estado deve assumir a educação como direito humano e caminho para reduzir as desigualdades materializadas espacialmente. Dado o exposto, é importante lembrarmos das palavras de Anísio Teixeira (1957, p.80), as quais afirmam que “A escola pública, comum a todos, não seria, assim, o instrumento de benevolência de uma classe dominante, tomada de generosidade ou de medo, mas um direito do povo, sobretudo das classes trabalhadoras”.

AVALIAÇÃO DA QUALIDADE: DIREITO,  DEMARCAÇÕES E ORIENTAÇÃO

Os desafios apresentados ao Estado, sob a égide da Constituição Federal, no que tange ao resguardo da qualidade da educação, faz com que ele tenha que se repensar e se aparelhar com vistas à consecução do direito à educação. Para Dias (2007, p. 447), “Todas as demais normas do sistema constitucional devem ser interpretadas com o fim precípuo de efetivar a realização plena do direito à educação”. Essa consideração ganha relevância porque nem sempre o que se proclama em termos de direitos é efetivamente usufruído pela população.

O simples acesso não é suficiente para configurar o respeito a uma educação em conformidade com o que se declara na legislação brasileira. Nesse tom, Dias (2007, p. 449) manifesta que “[...] do anúncio do direito à educação à efetivação deste, há uma grande distância”. Para romper com essa distância é preciso substanciais investimentos nas políticas públicas na área da educação. A garantia do acesso público e gratuito por parte do Estado é o meio para a universalização, tendo como amparo o imperativo constitucional do direito público subjetivo.

A questão da permanência e da qualidade ofertada para a população é uma lacuna que precisa ser corrigida urgentemente no Brasil, já que entram no rol das persistentes desigualdades no que se refere ao acesso a direitos básicos. O ataque dessa dura realidade tem que considerar a necessidade de aprendizagem dos distintos estudantes, discutindo as metodologias de ensino e, necessariamente, investindo na formação e na valorização dos professores – a matéria prima do processo educacional.

Nesse movimento de meditar sobre a política educacional brasileira e a garantia do direito à educação tendo como orientação a concepção de qualidade, Dias (2007) advoga que qualidade educacional exige, necessariamente, investimentos substanciais em infraestrutura das instituições escolares, acesso a materiais didáticos, assim como salários e formação de professores em harmonia com suas funções no projeto de sociedade. Isso porque qualidade, em sua visão, é representada pelo “[...] provimento dos meios necessários para que o aluno possa se apropriar dos conhecimentos socialmente produzidos em sua cultura (DIAS, 2007, p. 451)”.

A partir dessas reflexões, argumenta-se que o direito à educação é fundamental e inalienável, estando historicamente relacionado à concepção de direitos humanos. Relaciona-se ainda mais a ideia de direito à educação que recebeu, sobretudo após a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), a adjetivação de qualidade. Isso demonstra que não basta estar na escola, é preciso que o ensino seja de forma qualificada, porque no discurso da inclusão social a igualdade aparece como um paradigma. Dias (2007, p. 453) esclarece que “[...] a igualdade não pode ser tomada como uniformidade que acaba desconsiderando a diversidade”.

As políticas públicas voltadas para a área de educação são responsáveis por alterações substanciais no interior da escola, como são os casos da “[...] quantidade de dias letivos, o conteúdo e a metodologia trabalhada no interior de cada sala de aula” (ARAÚJO; ALMEIDA, 2010, p. 97). Além disso, é importante ter a clareza de que os problemas que afligem a educação estão engendrados em aspectos que abarcam o contexto de uma sociedade em sentido lato, com todas as suas contradições, e as melhorias nesse campo são refletidas no conjunto da sociedade.

Por tudo isso, a avaliação da qualidade educacional deve ser colocada em uma instância que merece uma ampla preocupação e cuidado porque, para a sua ocorrência, dentre outros aspectos, é preciso ter informações consistentes e uma definição de critérios/referências que permitam a adequação para o juízo a ser emitido. Assim,

[...] a ideia de avaliação associada a julgamento ressalta os “riscos e perigos” da própria avaliação, o que nos leva a considerar que nem sempre precisamos avaliar; e, em decorrência, a importância de que o levantamento de informações esteja apoiado em técnicas, instrumentos e procedimentos bem organizados e aplicados, e que os critérios sejam os mais objetivos possíveis. Tudo isso para se evitar julgamentos sem a devida consistência. (ALAVARSE, 2014, p. 52)

Nota-se, a partir desse posicionamento, que a avaliação tem como pressuposto oferecer mecanismos ou subsidiar a intervenção e, desta forma, provoca consequências que estão associadas aos julgamentos realizados que contaram com o levantamento de informações e a delimitação de critérios. Logo, a avaliação é inerentemente relacionada à tomada de decisão.

Alavarse (2014) considera que é importante, em termos de avaliação, as demarcações de quem é o sujeito (quem a conduz), o objeto (o que será avaliado), a finalidade (para que se destinam os juízos da avaliação), o usuário (quem usará os resultados) e a metodologia (procedimentos e instrumentos utilizados).

A avaliação para a aprendizagem é apresentada por Villas Boas (2014) como aquela que é utilizada na tomada de decisões com repercussões para o ensino em curto espaço de tempo. Esse tipo de avaliação assume uma feição formativa e se compromete com a aprendizagem de todos os estudantes. Por outro lado, a avaliação da aprendizagem tem sua ênfase na coleta de informações do que foi aprendido no passado com conotação somativa em que o foco “[...] são os resultados e não o processo de aprendizagem” (VILLAS BOAS, 2014, p. 58).

Dito isso, salienta-se que o cuidado com a avaliação é fundamental porque manifestações de fragilidades envolvem sentimentos. A avaliação tem que ser constituída com o intuito de ajudar o estudante a se desenvolver e avançar. Por isso, situações constrangedoras não são aceitáveis. Villas Boas (2014, p. 62) alerta para o fato de que a avaliação deve servir para encorajar e não para desencorajar o estudante, Nesse sentido, rótulos que desvalorizem devem ser suprimidos. O objetivo deve ser o aprimoramento e as melhorias das condições educacionais.

A ampliação da aplicabilidade do direito à educação tem consonância com a sua relação com a condição de cidadão. Essas implicações se tornam mais explícitas pelo reconhecimento desse direito como direito público subjetivo, uma vinculação entre o Estado (dever) e o cidadão obrigando a imediata ação em caso de negativa do direito, até mesmo porque na LDB a educação tem como finalidade o desenvolvimento pleno do educando.

A efetivação desse direito depende da mobilização social em defesa de uma educação pública, gratuita e de qualidade que consiga romper com fatores prejudiciais à qualidade como os que são apresentados no quadro a seguir:

Quadro 1: Fatores prejudiciais à qualidade da educação no Brasil
Fonte: Elaboração nossa a partir de Sacavino (2007).
Fatores prejudiciais à qualidade da educação no Brasil

Diminuição do tempo de aulas

Privação do apoio de material pedagógico

Baixos salários dos professores

Precária qualificação dos professores

Inadequação das instalações materiais

Elevado número de alunos nas salas de aula

Insuficiência do acesso aos bens culturais

É imperativo estabelecer instrumentos orientadores das ações educativas para que se torne possível a construção de uma cidadania sustentada em valores democráticos que contemplem a educação básica como um direito social inalienável e, portanto, exige a promoção de políticas públicas capazes de assegurar a qualidade do serviço prestado. Na contramão de tudo isso,

[...] as políticas educacionais, no modelo neoliberal dos últimos anos, no país, fizeram com que se reforçasse uma tendência a manter um “pobre” sistema público de ensino para os pobres, agora de forma extensiva, e um sistema privado paralelo, cada vez mais sofisticado para os ricos. Uma nova forma de exclusão social na educação vem ocorrendo, não mais fundamentalmente pela ausência de vagas, mas pela qualidade do ensino oferecido, que afeta, particularmente, aos grupos excluídos, fazendo com que o aluno/a não consiga aprender o que é necessário aprender. (SACAVINO, 2007, p. 466).

Para Jesus (2012), a definição de qualidade na educação básica envolve múltiplas dimensões, não podendo ser restrita aos insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino aprendizagem, por mais que não se possa negligenciá-los. Na perspectiva desse autor, o marco constitucional explicita a relevância de se garantir a equalização das oportunidades educacionais e o padrão mínimo de qualidade definido nacionalmente. Cabe assinalar que esta matéria ainda não foi regulamentada, ainda que figure como exigência na LDB. Ao refletir acerca da qualidade na educação, Jesus (2012, p. 220) entende que a qualidade

se fundamenta no conceito de “qualidade social”, pois possibilita: o respeito ao Estado de Direito; a democratização das relações político-sociais; entender que as desigualdades regionais, sociais e educacionais estão inseridas no próprio contexto de contradições históricas do Brasil; permitir a participação na gestão; e interligar quantidade e garantia de sucesso.

Com o processo de revitalização das políticas educacionais durante os anos 1990 a avaliação ganhou centralidade sobretudo na educação básica. A crescente racionalização desses processos para servir de insumos para a tomada de decisões ampliou a necessidade de coleta e produção de informações educacionais. Alavarse, Bravo e Machado (2012) sinalizam que a avaliação tem assumido no Brasil o papel de centralidade e serve como diretriz para o desencadeamento das políticas educacionais governamentais.

Esse movimento se dá por meio da implantação de sistemas de avaliação externa, que de acordo com Alavarse, Bravo e Machado (2012, p. 1) “[...] pode ser definida como o processo avaliativo do desempenho das escolas desencadeado e operacionalizado por sujeitos alheios ao cotidiano escolar”. Cabe lembrar também, que a implementação de um sistema de avaliação das escolas é sempre externa. Outro ponto que merece esclarecimento é a respeito da avaliação em larga escala que se refere à dimensão dos participantes, podendo fornecer subsídios para ações e políticas educacionais. Nesse sentido, a avaliação em larga escala serve de instrumento para o acompanhamento das redes, verificação de tendências e tem como escopo a reorientação das políticas públicas (FREITAS, 2009). Esses instrumentos devem ser utilizados com discernimento e ancorados em princípios democráticos.

A LDB, em seu artigo 9º, determinou a centralidade do processo de avaliação sob a responsabilidade da União. De fato este ente não tem conseguido estabelecer a coordenação ou o diálogo com os distintos entes, até mesmo porque há uma preocupação excessiva com a lógica de regulação e isso tem impossibilitado o desenvolvimento a contento do papel de articulação dos sistemas federal, estadual, distrital e municipal.

Na Conferência Nacional de Educação, de 2014, explicitou-se que o Plano Nacional de Educação (2014-2024) materializa essa necessidade de articulação das políticas de avaliação por meio da organização e regulação em nome de um Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica que permita a reorganização das ações dos entes federados com definições específicas das atribuições de cada ente, considerando o regime de colaboração e a atuação da educação privada.

CONCLUSÃO

A avaliação da qualidade educacional é um mecanismo que atribui robustez para as tentativas de assegurar o direito à educação de qualidade nos marcos da legislação brasileira e constitui-se como elemento-chave para a política pública educacional. Isso porque ter clareza das bases conceituais e das concepções em disputa quanto ao projeto de sociedade que se pretende, assim como o aperfeiçoamento de conhecimentos nesse campo torna possível “[...] medir o sistema educacional em suas dimensões mais íntimas, revelando ao país não apenas a quantidade das escolas, mas a sua qualidade, o tipo de ensino que ministram, os resultados a que chegam” (TEIXEIRA, 1956, XVIII). Enfim, se deve constituir o suporte para a efetivação do direito à educação de qualidade por meio da melhoria das escolas, da primazia do interesse público e da combinação entre projeto político e projeto educacional.

Por isso tudo, saber o que se está fazendo viabiliza ou potencializa a capacidade de promover avanços de ordem qualitativa. Ainda sob a inspiração de Anísio Teixeira, o encorajamento faz-se relevante porque uma transformação educacional sustentada em princípios democráticos é urgente e a produção de diagnósticos válidos subsidiam a intervenção e o controle social das políticas públicas sociais que não podem ser pensadas sem considerar a escola que é proclamada por Anísio como a máquina que opera a democracia e que, enquanto tal, deve ser pensada em suas condições de funcionamento e contexto socioespacial.

REFERÊNCIAS

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