Livros - 0320L


PREFÁCIO

Alvissareira a iniciativa de reunir e difundir a produção recente da pós-graduação em Educação da UFPE a respeito da política educacional estabelecida em Pernambuco ao longo da última década e, assim, trazer novos olhares que podem contribuir para o aprofundamento da compreensão de elementos implicados na conformação de políticas educacionais, dentre os quais a conjuntura em que são formuladas.

Com efeito, políticas educacionais condensam, em cada período histórico, demandas de diferentes segmentos da sociedade, à luz do projeto político-social que obteve adesão em determinada conjuntura, frequentemente desconsiderando iniciativas positivas anteriores que careceriam de tempo para serem consolidadas. Isso tem sido demonstrado nos diversos balanços dos estudos sobre educação realizados a partir do trabalho pioneiro de Aparecida Joly Gouveia, publicado no número inaugural de Cadernos de Pesquisa, em 1971.

Tal colocação tem por base o fato de que a tônica das políticas educacionais em cada momento, expressa as prioridades que conseguiram ser estabelecidas pelos setores sociais no poder, - no caso brasileiro, nas diversas instâncias da federação -, informadas pelas concepções de educação e de escola então prevalentes na produção acadêmica, no debate social vigente, e também nas propostas inscritas nos organismos internacionais.

No Brasil, nos últimos 40 anos, pelo menos, duas vertentes se confrontam na formulação e na análise de políticas educacionais e que poderiam ser resumidas, respectivamente, sob o rótulo de educação como formação humana, cuja consecução requer participação, cooperação, solidariedade, e educação para atendimento a demandas do mercado, especialmente do mercado de trabalho, pautada pela lógica da competição e da meritocracia.

Na coletânea em pauta, esse confronto atravessa todos os relatos de pesquisa, com nítida adesão à primeira delas, frequentemente utilizada como principal lente de interpretação. Se, de um lado, tal postura pode ser vista como defesa de uma determinada posição afirmada como modelo, por outro, ela permite a explicitação da tensão que permeia decisões e relações construídas historicamente, no contexto da complexidade que envolve a dinâmica educacional institucionalizada na sociedade submetida a escrutínio.

Com efeito, conforme assinalado, entre pesquisadores e pesquisados prevalece a concepção de educação escolar como direito social básico e a visão da escola como instância de exercício de cidadania, na perspectiva da formação humana. Entretanto, ao admitir a importância de que efetivamente essa política deve ser concretizada com eficácia e eficiência, como forma de expressar a responsabilidade assumida por 8 docentes e gestores nesse processo, os resultados obtidos são concebidos como confirmação da realização de trabalho educativo pertinente. Assim, por exemplo, a intensificação do trabalho docente chega a ser tida como necessária ao processo de escolarização exitosa, conforme preconizada no Programa de Modernização da Gestão Pública - Metas da Educação (2007-2010) e Pacto pela Educação (2011-2014), que tem alçado Pernambuco a modelo de desempenho escolar nas diferentes avaliações de caráter nacional.

A análise do impacto e desdobramentos da adoção desse perfil de política educacional em Pernambuco, desde meados dos anos 2000, tem como fulcro questões tematizadas nos estudos sobre políticas educacionais de gestão escolar e de órgãos de coordenação voltados para o cumprimento de metas estabelecidas e de sua avaliação, para o trabalho docente, organização das escolas, sua infraestrutura e gestão, além de programas específicos voltados para recuperação da aprendizagem.

A referência de praticamente todos os estudos apresentados na presente publicação, remetem a mudanças mais amplas operadas na sociedade capitalista relacionadas ao que tem sido denominado de neoliberalismo e globalização. Esta postura, certamente, pertinente, caracteriza-se, entretanto, à semelhança das políticas examinadas nos diferentes capítulos, pela ausência de articulação ou mesmo de menção a políticas educacionais precedentes que se voltavam para a efetivação no país e, também, em Pernambuco, do direito à escolaridade obrigatória com qualidade, priorizando a sua universalização e ações a ela relacionadas como profissionalização do docente e gestão democrática, num contexto em que ainda predominava a concepção de educação escolar como mecanismo de conservação do poder.

Na perspectiva, uma questão a ser posta é: Não constituiriam as experiências educacionais e pedagógicas daí decorrentes também um lastro para compreender a mobilização em favor da iniciativa governamental, tomada em meados da primeira década do século XXI, para sanar nítidas deficiências da ação escolar, com o objetivo de melhorar seus resultados educacionais e de tornar Pernambuco referência na competição nacional relativa à educação básica?

Pelo que dizem os dados coletados junto a professores, gestores, instâncias de regulação e organizações docentes, no âmbito dos estudos aqui apresentados, há evidências do êxito da adoção dessa política educacional de resultados, cabendo elucidar o seu significado.

É, aliás, o significado do êxito dessa política educacional por resultados nos diferentes estudos aqui arrolados a principal riqueza da contribuição trazida a público. A exposição tecida em torno das práticas de gestão escolar voltadas para assegurar a concretização de metas educacionais, a natureza de sua intervenção junto à avaliação, as repercussões no trabalho e carreira dos docentes e na estrutura da escola e sua influência no clima de debate que ela propicia, põe à mostra a disputa entre a lógica de resultados e 9 a participação e negociação e as tensões dai decorrentes, além de desvelar aspectos da influência das recomendações de organismos internacionais na sua efetivação

Anotam-se, dessa forma, os limites do modelo de gestão gerencial como lógica de ação do Estado e da perspectiva de controle que lhe é subjacente. Tais limites são aclarados pela visão do docente como promotor da eficácia escolar; pela avaliação da qualidade da educação expressa em números organizados sob a forma de gráficos, indicadores e taxas; pelo estreitamento curricular decorrente do privilégio dado às disciplinas Português e Matemática; pela redefinição do dirigente escolar como controlador de ações e informações; pela competição e intensificação do trabalho docente, do gestor e de outros agentes de apoio que atuam nas escolas; pela delimitação do próprio trabalho escolar; pelo lugar consignado à educação escolar na construção do futuro.

Ao desvelarem esses processos de ressignificação, os diferentes estudos explicitam questões que cotidianamente interferem na dinâmica escolar e nas próprias políticas em execução, no Brasil e em Pernambuco nas últimas décadas. Eles parecem constituir uma forma de expressar a tensão decorrente da contraposição, não tematizada explicitamente, de experiências já vivenciadas, ou mesmo almejadas, de autonomia pedagógica docente, de construção de uma escola de qualidade socialmente referenciada, de gestão participativa, compartilhada, frente a metas educativas pré-estabelecidas por especialistas, tornadas prioridade governamental.

Esse parece ser um dos desafios para os próximos anos em um contexto que evidencia os limites da educação escolar nas mudanças sociais mais amplas, sobretudo àquelas relacionadas ao desenvolvimento tecnológico. Ou seja, o estabelecimento de metas certamente continuará a pautar as políticas educacionais até porque os resultados obtidos por Pernambuco as reforçam. Mas, serão elas suficientes para salvaguardar a escola como lugar de aprendizagem do conhecimento, da arte, cultura, tecnologia produzidos pela humanidade e de assegurar a organização do pensamento e ela inerente?

Este será possivelmente um foco a ser considerado nos novos estudos sobre políticas educacionais em Pernambuco, o que poderá implicar, a restauração do diálogo explícito entre experiências educacionais vivenciadas e novas propostas voltadas para galgar patamares de qualidade compatíveis com as novas demandas conjunturais futuras.

Recife, marco de 2019
Silke Weber – PPGS/UFPE


SUMÁRIO

PREFÁCIO
Silke Weber

APRESENTAÇÃO
Ana Lúcia Felix dos Santos;
Luciana Rosa Marques;
Edson Francisco de Andrade

RESPONSABILIZAÇÃO EDUCACIONAL NO CONTEXTO DA GESTÃO POR RESULTADOS: UMA ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA PERNAMBUCANA (2007-2014)
Ildo Salvino de Lira;
Luciana Rosa Marques

A POLÍTICA DE BONIFICAÇÃO POR DESEMPENHO EM PERNAMBUCO: O OLHAR DE GESTORES DA GRE MATA SUL
Cezar Gomes da Silva;
Ana Lúcia Felix dos Santos

AVALIAÇÃO EDUCACIONAL E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO BÁSICA EM PERNAMBUCO
Maria Lucivânia Souza dos Santos;
Katharine Ninive Pinto Silva

POLÍTICA EDUCACIONAL E GESTÃO ESCOLAR NO SERTÃO PERNAMBUCANO: ANALISANDO PRÁTICAS DE REGULAÇÃO VIA AVALIAÇÃO EDUCACIONAL.
Ana Lúcia Felix dos Santos;
Alexandre Viana Araújo;
Janete Maria Lins de Azevedo

OS DESAFIOS PARA O TRABALHO DOCENTE NA REDE ESTADUAL DE PERNAMBUCO: AS ARMADILHAS DA POLÍTICA EDUCACIONAL CENTRADA NA AVALIAÇÃO POR RESULTADOS
Katharine Ninive Pinto Silva;
Pedro Henrique de Melo Teixeira;
Emanuelle de Souza Barbosa

REFORMAS DO ENSINO MÉDIO PERNAMBUCANO E AS “MODERNIZAÇÕES-RESTAURADORAS” NA ROTINA DO TRABALHO DOCENTE
Jamerson Antonio de Almeida da Silva;
John Mateus Barbosa;
Valéria Lima Andrioni Benittes

ESCOLAS DE REFERÊNCIA EM ENSINO MÉDIO: UMA ANÁLISE DO PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL EM PERNAMBUCO
Edima Morais;
Jamerson Antonio de Almeida da Silva

O PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE GESTORES ESCOLARES DE PERNAMBUCO E A QUALIDADE DA EDUCAÇÃO
Iágrici Lima Maranhão;
Luciana Rosa Marques

PROGRAMA TRAVESSIA EM PERNAMBUCO: UMA ANÁLISE À LUZ DA PERCEPÇÃO DOS GESTORES
Edson Francisco de Andrade;
Silvana Galvão de Aguiar.

O ESPAÇO ESCOLAR NA POLÍTICA EDUCACIONAL: ANÁLISE DA POLÍTICA DE INFRAESTRUTURA PERNAMBUCO
Ivanilso Santos da Silva;
Márcia Angela da Silva Aguiar

RAZÃO INSTRUMENTAL NO CONTEXTO DA REFORMA ADMINISTRATIVA EM PERNAMBUCO: COMO FICA A PARCIPAÇÃO CIDADÃ
Ana Claudia Dantas Cavalcanti;
Alice Miriam Happ Botle

SOBRE OS AUTORES 240