Livros - 0319L


PREFÁCIO


Educação - para quê? Aprendemos com os grandes pensadores e referências históricas do campo da educação que devemos sempre nos questionar sobre os fins da educação, sobre a educação que temos e sobre a educação que queremos. Questões como essas já apareciam no Manifesto dos Pioneiros da Educação de 1932 e até hoje precisam ser discutidas, sobretudo porque nossa história é de pouco apreço à democracia, dados os momentos de ruptura e de ditatura, especialmente no século XX. Nessa trajetória educacional, a ampliação do direito e da qualidade da educação ficam quase sempre prejudicadas, fazendo com que a educação pública, destinada aos segmentos menos favorecidos da sociedade, não cumpram efetivamente seu papel de socialização dos conhecimentos, de formação crítica e qualificação para o exercício da cidadania, de desenvolvimento integral dos estudantes e de contribuição ao processo de emancipação social.

A luta histórica dos educadores progressistas, sobretudo no âmbito do Estado de direito e de construção de um ‘estado social’, buscou, via de regra, ampliar a demanda social por uma educação pública gratuita, obrigatória, laica e de qualidade social. Essa luta pela universalização da educação pública tem incluído a defesa da gestão democrática, da diversidade e inclusão social, da criação de condições de oferta, da adoção de padrões de qualidade, da ampliação da educação de tempo integral e da ampliação e qualificação da autonomia das escolas e dos professores na definição de projetos políticos, pedagógicos e curriculares, que resultem em uma aprendizagem mais qualificada.

No Brasil, a partir dos anos 1980, com o fim do Regime Militar e com o processo de redemocratização do país, vimos surgir a perspectiva de um projeto de nação democrático materializado, por exemplo, na Constituição Federal de 1988, chamada de cidadã. O Art. 6º da Constituição traz, por exemplo, os direitos sociais, dentre os quais: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. É nesse contexto de redemocratização do país que vai se colocando também a perspectiva de construção de um projeto educacional democrático e inclusivo, dado o contexto de heterogeneidade e de assimetrias regionais na oferta da educação pública, mesmo com a ausência de um sistema nacional de educação. Essa elaboração e materialização de projetos via entes federados e sistemas de ensino (federal, estaduais e municipais) contribui em certa medida para algumas orientações importantes tais como: educação como direito social e humano, numa perspectiva mais igualitária e inclusiva; equiparação das oportunidades aos estudantes de diferentes condições sociais; ampliação da justiça social em termos do aumento de oportunidades 10 educacionais; adoção de uma escola não seletiva e não discriminatória; e, universalização da educação de qualidade, sobretudo na educação básica obrigatória e nas demais modalidades de educação.

A Constituição Federal de 1988 acentuou a descentralização da educação repartindo atribuições no tocante à oferta de educação, especialmente na educação básica, o que foi referendado pela LDB (Lei nº 9.394/1996). Os municípios são incumbidos da educação infantil e de, em competência concorrente com os estados, ofertar o ensino fundamental. Os estados são, ademais, responsabilizados pela oferta exclusiva do ensino médio. Em 2009, com a emenda constitucional nº 59, saímos dos nove anos de escolarização obrigatória (6 a 14 anos) para 14 anos de escolarização obrigatória (4 a 17 anos). Temos quase 50 milhões de estudantes na educação básica, com as escolas públicas respondendo por mais de 80% das matrículas.

É grande, pois, a tarefa de estados e municípios em termos da educação pública no Brasil, sobretudo quando se considera a atuação ainda pouco significativa da União na resolução dos grandes problemas educacionais brasileiros, o que acaba por manter um patamar de heterogeneidade, assimetria municipal, estadual e regional e de baixo desempenho dos estudantes. A falta de compromisso com a efetivação das metas do Plano Nacional de Educação – PNE (2014-2024) e com a implantação do Sistema Nacional de Educação, agravados pela aprovação da EC 95/2016, que congela os gastos primários por 20 anos, ou seja, até 2036, certamente inviabiliza ações fundamentais da garantia do direito à educação tais como: ampliação do financiamento da educação, com a implementação do custo-aluno-qualidade; garantia da universalização da educação básica de 4 a 17 anos, com garantia de qualidade e inclusão social; gestão e avaliação democrática da educação; formação e valorização docente; currículos que respeitem a diversidade e a inclusão; etc.

O PNE (Lei nº 13.005/2014) traz metas significativas em termos da obrigatoriedade/ universalização da: Pré-escola (4-5 anos), ensino fundamental (6-14 anos) e médio (15-17 anos); educação especial; ampliação da oferta educacional nas creches, EJA, Educação Profissional, Educação superior (graduação e Pós-graduação); e, ainda, no tratamento de temas fundamentais tais como: Alfabetização das crianças e melhorar taxa de alfabetização de adultos, educação de tempo integral, qualidade da educação básica e superior, elevação da escolaridade média da população de 18 a 29 anos, formação e valorização dos profissionais da educação (Planos de Carreira, salário e formação continuada na pós-graduação), gestão democrática da educação e ampliação do financiamento da educação para alcançar 10% do PIB.

A falta de institucionalização e materialização de um Sistema Nacional de Educação, num contexto de colaboração e participação democrática da sociedade política e civil organizada, é um dos grandes desafios à superação dos problemas da educação brasileira. As políticas educacionais formuladas e implementadas no país, sobretudo em momentos políticos de maior centralização e autoritarismo pouco 11 ou quase nada consideram os diferentes agentes e modos de regulação existentes nos sistemas de ensino, o que faz com que muitas das políticas e ações de financiamento, de currículo, de avaliação, de gestão e de formação docente não se materializem, ou seja, não resultem em melhoria dos processos de ensinoaprendizagem.

É nesse contexto que o livro Políticas e Prioridades para a Educação Básica dos Governos Estaduais Eleitos em 2018: Para onde os sistemas estaduais caminham, organizado pelas Professoras Marcia Ângela Aguiar, Theresa Adrião e Luciana Marques, se apresenta e traz grande contribuição para o debate da educação no contexto atual, pois traz um amplo diagnóstico e análise das políticas e prioridades para a educação básica nas cinco regiões do país. As eleições de 2018, para o período 2019 a 2022, ocorreram num contexto da crise econômica, política e social, acentuado a partir de 2013. Os anos de crescimento econômico, de políticas desenvolvimentistas, de ampliação do consumo, de políticas sociais de inclusão, de redução da pobreza e aumento real do salário mínimo etc., seguidos de crise econômica, diminuição do PIB, aumento da taxa de desemprego etc., vão dando lugar a um ambiente de tensões, polarização e mudanças políticas, com mobilização da direita e movimentos conservadores, propícias à ruptura politica e ao favorecimento de projeto(s) neoliberais, conservadores e autoritários de sociedade, incluindo a (des)construção do Estado de pendor mais social, em benefício da chamada sociedade de livre mercado com clara hegemonia do capital financeiro.

A pauta e as orientações democráticas em favor do direito à educação nos levam a reafirmar a perspectiva defendida pelo Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE), conforme Conferência Nacional de Educação realizada em Belo Horizonte em 2018, dentre as quais: o PNE 2014-2024 como referencia das políticas educacionais; a instituciolização do SNE no âmbito do Regime de Colaboração efetivo, com regulamento da educação privada; a construção da qualidade social da educação por meio de articulação federativa; a defesa de uma BNCC diversificada e inclusiva, produzida democraticamente e que respeite os avanços sociais e científicos nas diferentes áreas de conhecimento; o respeito e construção democrática do PPP; o respeito à concepção/especificidades da educação básica e dos níveis que a integram; a gestão democrática da educação (das escolas); a liberdade de expressão no processo de educação/ensino, contra o avanço do conservadorismo; a valorização da educação pública democrática, universal, laica, inclusiva, gratuita, de qualidade social, diversa; o respeito à Lei do Piso Salarial Profissional Nacional, com adoção de planos de carreira que valorizam os profissionais da educação; o financiamento público da educação, com a consolidação do FUNDEB e vinculação ao CAQi e ao CAQ; revogação da EC nº 95/2016; o financiamento público exclusivamente para o Ensino Público; a auditoria da dívida pública e uma reforma tributária que aumente a progressividade dos impostos no país; o pacto nacional pela educação infantil; o respeito à diversidade.

Vivemos um momento em que a democracia, o Estado e a educação brasileira passam por grandes retrocessos e de desconstrução dos avanços que vinham sendo produzidos desde a redemocratização do país, por meio de uma agenda conservadora e neoliberal que se contrapõe à luta histórica dos educadores progressistas e entidades da área em prol da construção de um projeto educacional democrático e inclusivo, pautado por políticas de Estado para a educação nacional para todos e todas.

Há que se construir uma agenda de defesa de uma educação democrática e inclusiva, como projeto coletivo e propositivo, para enfrentarmos a perda de direitos e a ideologia conservadora da política e das ações em curso, destacadamente: as diferentes formas de terceirização e privatização via parcerias públicoprivadas (OSs e OSCIPs); as orientações e práticas da Nova Gestão Pública (NGP), que traz a lógica do gerencialismo e da educação privada como mercadoria; da naturalização da dinâmica do mercado na educação; da subordinação formal e concreta do campo da educação; da implementação de medidas do novo neoliberalismo conservador e autoritário; da desconstrução e redução da atuação do Estado em nome da liberdade econômica; do ataque/redução dos direitos sociais e de proteção ao trabalho; dos riscos para a democracia e soberania do País.

Devemos nos questionar qual projeto de país (nação) e qual o projeto de educação que está sendo construído pós eleições de 2018? O momento é de articular, resistir e propor alternativas na lógica de construção de um programa contra-hegemônico, retomando princípios, orientações e práticas que se fizeram presentes no contexto da redemocratização do país. Isso implica em repensar o papel do Estado na construção das políticas públicas e sociais a partir de uma radicalização da democracia e da utilização do Fundo Público com vistas à garantia dos direitos sociais e construção de um estado social. Este livro ajuda a refletir sobre esse cenário e a pensar sobre possíveis alternativas. Trata-se, pois de uma relevante contribuição ao debate em curso no país.

João Ferreira de Oliveira (Ex-presidente da Anpae 2015-2019)
Romualdo Portela de Oliveira (Presidente da Anpae 2019-2021)


SUMÁRIO

PREFÁCIO
João Ferreira de Oliveira
Romualdo Portela de Oliveira

APRESENTAÇÃO
Andrea Barbosa Gouveia

PARA ONDE CAMINHAM AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS DOS ESTADOS BRASILEIROS EM 2019?
Márcia Angela da Silva Aguiar
Theresa Adrião
Luciana Rosa Marques

PARTE I

POLÍTICAS E PRIORIDADES EDUCACIONAIS DOS GOVERNOS ESTADUAIS DA REGIÃO
NORTE: PARÁ E TOCANTINS

POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO ESTADO DO AMAZONAS NO GOVERNO DE WILSON LIMA: CONTINUIDADE OU RUPTURAS COM A VELHA POLÍTICA LOCAL?
Angela Maria Gonçalves de Oliveira
Sirlei Adriani dos Santos Baima Elisiário
Gracimeire de Castro Torres

POLÍTICAS E PRIORIDADES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA DO GOVERNO DO PARÁ 2019 - 2022: AÇÕES INICIAIS
Dalva Valente Guimarães Gutierres
Rubens da Costa Ferreira
Paulo Sergio de Oliveira Alvares

IPOLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS NO TOCANTINS 2019-2022: PARA ONDE CAMINHA O SISTEMA ESTADUAL
Rosilene Lagares

PARTE II

POLÍTICAS E PRIORIDADES EDUCACIONAIS DOS GOVERNOS ESTADUAIS DA REGIÃO
NORDESTE: BAHIA, PARAÍBA, PERNAMBUCO E RIO GRANDE DO NORTE

“O ESCRITO, O DITO E O FEITO”: A EDUCAÇÃO BAIANA NOS PRIMEIROS 120 DIAS DO SEGUNDO MANDATO DE RUI COSTA
Rodrigo da Silva Pereira
Catarina Cerqueira de Freitas Santos

A POLÍTICA EDUCACIONAL PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA NO ESTADO DA PARAÍBA: ANÁLISE PRELIMINAR DO GOVERNO 2019-2022
Andréia Ferreira da Silva
Ângela Cristina Alves Albino
Jonas da Silva Rodrigues
Melânia Mendonça Rodrigues

PRIORIDADES GOVERNAMENTAIS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 2019-2022: RUMOS DA EDUCAÇÃO EM PERNAMBUCO
Márcia Angela da Silva Aguiar
Ana de Fátima P. de Sousa Abranches
Edson Francisco de Andrade

PROGRAMA DE GOVERNO DO RIO GRANDE DO NORTE (2019-2022) E AS DIRETRIZES PARA A EDUCAÇÃO: AÇÕES INICIAIS
Magna França

PARTE III

POLÍTICAS E PRIORIDADES EDUCACIONAIS DOS GOVERNOS ESTADUAIS DA REGIÃO
SUDESTE: ESPÍRITO SANTO, MINAS GERAIS, RIO DE JANEIRO, SÃO PAULO


A EDUCAÇÃO ENTRE PERMANÊNCIAS E RUPTURAS: UM BALANÇO PRELIMINAR DO PROGRAMA E DAS MEDIDAS DO GOVERNO DE RENATO CASAGRANDE (ES)
2019-2022

Gilda Cardoso de Araújo
Caroline Falco Fernandes Valpassos
Tatiana Gomes dos Santos Peterle

O “NOVO” NAS TRILHAS DA EDUCAÇÃO: POLÍTICAS E PRIORIDADES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA NAS MINAS GERAIS EM 2019 (JANEIRO A JUNHO)
Marcelo Soares Pereira da Silva
Lúcia de Fátima Valente
Maria Simone Ferraz Pereira

POLÍTICAS E PRIORIDADES DO ATUAL GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: OS DESCAMINHOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA
Sabrina Moehlecke

POLÍTICA EDUCACIONAL NA REDE ESTADUAL PAULISTA: PRIMEIRAS INICIATIVAS DA GESTÃO 2019-2022
Márcia Aparecida Jacomini